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Foto do escritorDra. Luciana Zumpano

A autonomia do Síndico frente a nova cepa

Atualizado: 15 de set. de 2021



UM ANO DE PANDEMIA


Há um ano, exatamente, quando o país foi tomado abruptamente por uma crise mundial de saúde pública gerada pela Covid-19, eram inúmeras as dúvidas a respeito de suas implicações nos condomínios e do limite de ingerência de seus administradores.


Hoje, um ano após o surgimento dos primeiros casos de Covid-19 no Brasil e diante de dados oficiais alarmantes (sobre o crescente avanço de contágio da doença, a potencial resistência da nova cepa - superior à primeira, e o aumento no número de mortes), aliado ao colapso do sistema de saúde em todo o país, já não se pode mais questionar o DIREITO/DEVER do síndico de impor regras restritivas diante de uma situação excepcional como essa, mesmo em detrimento de outros direitos dos condôminos, já que deve ser sopesado qual dos direitos (dos que estão em conflito) tem maior valor.


A nova cepa do vírus tem mostrado até 70% mais de força de contágio; avanço mais rápido dos sintomas; mortes em menos tempo, diminuindo, assim, a chance de recuperação, e atingido faixa etária mais baixa que a anterior (de até 50 anos), inclusive levado a óbito crianças, sem qualquer comorbidade, fatores mais que suficientes a justificarem a autonomia do síndico em ditar regras de exceção, mormente restringindo o direito de ir e vir de moradores nas áreas comuns e o de prestadores de serviços (transitórios ou permanentes) e visitantes em sua unidade. Não se trata de interferir no direito de propriedade de cada um; se trata, sim, do dever do síndico de prezar, em primeiro lugar, pelo bem-estar e saúde de todos, em respeito à obrigação que assumiu perante os moradores sob sua gestão.


É comum se encontrar em convenções de condomínios mais antigos previsão sobre moléstias contagiosas, pois concomitantemente ao aparecimento da modalidade de compartilhamento de posse/propriedade existia o receio da disseminação massiva de doenças, facilitada pelo ambiente coletivo. Porém, o mesmo não ocorre com as convenções de condomínios mais recentes, cuja cautela foi aos poucos relegada diante do avanço das ciências biomédicas, que gerou uma relativa sensação de segurança para a sociedade contemporânea, a qual, vez ou outra, é desafiada, como há um ano e mais ainda agora, pela nova onda do Coronavírus.

Diante dessa lacuna, o embasamento da legalidade da conduta do síndico de limitar certos direitos dos condôminos está nos princípios do Direito de Vizinhança, insculpido no artigo 1.336, IV, do Código Civil brasileiro, que determina que é dever do condômino não prejudicar a saúde dos demais.

Fazendo-se uma leitura conjunta deste dispositivo com as atribuições do síndico previstas no artigo 1.348, também do Código Civil, chega-se à conclusão de que lhe cabe contribuir e fiscalizar tal dever (dos condôminos), especialmente no que toca ao uso das partes comuns e à exposição a risco dos demais moradores e ocupantes transitórios (prestadores de serviços e visitantes), pois expressamente está dentre as atribuições do síndico praticar os atos necessários à defesa dos interesses comuns (C.C., art. 1.348, II), muito embora caiba a cada morador tomar suas medidas individuais com base no artigo 1.277 do Código Civil.


Constitucionalmente sabemos que não há direito maior nem dotado de instrumentos de resguardo mais relevantes que o direito à saúde e à vida, e em assim sendo, quando em moradia coletiva, cada condômino tem o dever concomitante de não utilizar de suas partes de maneira prejudicial à salubridade dos outros possuidores. Esta é a essência do respeito ao direito de vizinhança e à convivência em coletividade.


Existe respaldo, portanto, tanto administrativo quanto jurídico para as medidas que o síndico venha a adotar relativamente a esta situação excepcional de pandemia.


O jurídico é o declinado acima. O administrativo é a existência de fundamentos biomédicos, decretos governamentais e normativas institucionais, nacionais e internacionais.


Seguindo na linha do Direito de Vizinhança, portanto, da mesma maneira que é dever do condômino adotar postura de forma a não prejudicar a saúde de seus vizinhos – e a saúde é um direito –, também é dever do síndico contribuir para fazer cumprir e ser respeitado tal dever/direito, respectivamente, especialmente no que toca ao uso das partes comuns e à exposição a risco dos demais condôminos e moradores, e o não cumprimento, por cada qual, com sua respectiva obrigação pode eventualmente caracterizar crime contra a saúde pública – o de propagar doenças (artigo 267 do Código Penal) e o de descumprir determinações do Poder Público para evitar propagação de doenças contagiosas (artigo 268 do Código Penal).


Paralelamente, deve-se se ter em conta que tais providências não são mera liberalidade do síndico, pois ele “deve” – e não “pode” – adotá-las, sob pena de responsabilidade civil e criminal por omissão, uma vez que há determinações nesse sentido oriundas de portarias do Governo do Estado de São Paulo, da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), cujo estado de coisas restringe o direito de ir e vir de todos os cidadãos bem como o funcionamento de todos os locais de acesso público ou privado - estes que por suas características recebem grande volume de pessoas, como no caso dos condomínios.


Outrossim, ainda pairam dúvidas sobre certas características da COVID-19, mas se pode afirmar que sua mais incisiva forma de disseminação vem de aglomerações, ambientes fechados e contato pessoal; por isso, considerando-se o estágio atual em que nos encontramos de contágio coletivo (aquele em que já não se depende de contato com quem efetivamente esteve em áreas de risco), para o qual nos é orientado/imposto ‘distanciamento/isolamento social’ para se evitar a disseminação em massa, é tida como legal, necessária e legítima a discricionariedade do síndico para restringir o uso das áreas comuns, porque o faz em obediência às orientações do Poder Público.


De nada, ou pouco, adianta o síndico cumprir sua obrigação legal sem a concomitante consciência de cada condômino de que lhe cabe agir de modo a cooperar para o melhor resultado pretendido, pois o engajamento de cada um significará o bem de todos.


O momento é de união, cooperação, compreensão, empatia, cidadania e senso de coletividade. Não se pode esquecer que viver em condomínio significa concessões recíprocas, e que mais do que enfrentarmos uma pandemia devemos enfrentar nossos egocentrismos. Não podemos ter os olhos abertos apenas para o que nos convém; não é só questão de saúde, mas de cidadania e de humanidade.



Luciana Zumpano

Advogada, especializada em Direito Condominial


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